Cultura

Chico Buarque capta a identidade brasileira em ‘Que Tal um Samba?’

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Chegou às plataformas digitais o registro de “Que Tal um Samba?”, turnê em que Chico Buarque dividiu o palco com Mônica Salmaso. O apelo do show ao vivo não se perdeu na gravação. Todo o significado está ali, compacto, tamanha a emoção suscitada pelo acontecimento, que excursionou o país entre 2022 e 2023.

Nas apresentações, o burburinho da plateia era desfeito quando as cortinas se abriam para Salmaso interpretar “Todos Juntos”, tocando kalimba, instrumento que se assemelha a um piano de dedo. Aposta audaciosa para corresponder à excitação do público, o silêncio ainda rapta a atenção de quem clica para ouvir o disco.

Pois a versão de Chico para a música de Sergio Bardotti, presente na peça “Os Saltimbancos”, de 1977, anunciava o motivo da turnê. “Todos juntos somos fortes/ Somos flecha e somos arco/ Todos nós no mesmo barco/ Não há nada pra temer”, diz o estribilho. Às vésperas das eleições, Chico despertou seu senso coletivista para compor um retrato do país, depois de quatro anos de Jair Bolsonaro, do PL, no poder.

Avesso a holofotes, o artista encarou o palco e incitou uma retomada progressista, garantida pela vitória de Lula, do PT, de quem é apoiador de primeira hora. Assim, o disco se constrói no ramerrão da história política brasileira, retomado depois de 27 canções, em luminares do show.

A canção “As Caravanas”, lançada por Chico no disco homônimo de 2017, lembra a ascensão da extrema direita no batidão do funk. A atualidade do ritmo se funde à citação de “Deus lhe Pague”, que evoca o horror da ditadura e denuncia o ímpeto autoritário comum ao bolsonarismo. Em seguida, Chico e Salmaso matizam um chiaroscuro, entoando a obra-prima, lançada no ano passado, que empresta seu nome ao disco.

O samba, gênero que fala gostoso o português do Brasil, espanta a “força bruta” depois de “tanta demência”. No disco, Chico esclarece que os desvarios da política são suplantados pela mobilização dos afetos do povo brasileiro. Ao compositor, interessa a vida ao rés do chão, representada em outro samba, “Biscate”, em que um homem deseja ouvir sossegado o jogo entre Flamengo e River Plate.

Para tanto, Chico, torcedor do Fluminense, convocou o escrete de sempre -Luiz Cláudio Ramos (violão), João Rebouças (piano), Jurim Moreira (bateria), Chico Batera (percussão), Bia Paes Leme (teclado) e Chico Batera (percussão). Salmaso interpreta as seis primeiras faixas do álbum e seu registro de soprano une a vida cotidiana à idealização.

Em “Beatriz”, parceria de Chico com Edu Lobo, sua interpretação se equipara à gravação clássica de Milton Nascimento, alcançando mesmo o sétimo céu. Salmaso mantém o romantismo, entrelaçando sua voz à de Chico em “Imagina”, a “Valsa Sentimental” composta por Tom Jobim em 1947.

A engenhosa harmonia é construída com acordes retirados de outra valsa, a do compositor francês Maurice Ravel, criada duas décadas antes. Em especial, a coda de “Imagina” muito se assemelha à obra impressionista. Sozinho, Chico, coma voz doce e o violão escorreito, interpreta sua canção mais linda, “Morro Dois Irmãos”.

A subjetividade do eu lírico está a serviço do pensamento. À beira-mar, o poeta se depara com um morro cravado na paisagem. “É assim como a rocha dilatada/ Fosse uma concentração de tempos/ É assim como se o ritmo do nada/ Fosse, sim, todos os ritmos por dentro/ Ou, então, como uma música parada/ Sobre uma montanha em movimento.”

Chico faz música até do nada, porque nada escapa ao seu pensamento.

QUE TAL UM SAMBA?
Avaliação Ótimo
Quando 24 de novembro
Onde Nas plataformas digitais
Autoria Chico Buarque e Mônica Salmaso
Gravadora Biscoito Fino

*FOLHAPRESS

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