CulturaSilene Santos

Após ser protagonista na eleição, Nordeste domina enredos no Carnaval da Sapucaí

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Do Sertão à Baía de Todos os Santos, a passarela do samba vai levar o Carnaval do Rio rumo ao nordeste do Brasil. Neste ano, metade dos 12 desfiles das escolas de samba Grupo Especial sai em busca do título carioca com enredos que exaltam a cultura, o povo e os estados nordestinos.

Para os artistas que assinam o espetáculo popular, a volta dos olhares para a região é o reflexo do debate político-social que colocou o Nordeste como uma das figuras centrais do mais recente processo eleitoral do país.

Segundo maior colégio eleitoral do país, a região foi mais uma vez decisiva na eleição que deu a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seu terceiro mandato à frente da Presidência da República, em 2022. O petista levou vantagem contra Jair Bolsonaro (PL) apenas em seu reduto. No resto do país, o domínio foi de Bolsonaro, embora não tenha alcançado diferença tão larga quanto a de Lula no Nordeste.

“O Carnaval reflete o pensamento comum dos artistas, das comunidades, daquilo que a gente vive. E o Nordeste está em sua máxima. Não foi à toa que o Carnaval reverberou essa pauta, acho que foi um sentimento comum das escolas de olhar para a cultura que é muito latente nessa região. Para além disso, a gente viu uma virada de chave acontecer na política do nosso país em que a contribuição do povo nordestino foi bem decisiva. A gente não podia deixar isso passar despercebido”, disse o carnavalesco Marcus Ferreira, que faz sua estreia na Mocidade Independente de Padre Miguel.

Neste ano, a escola vai ao Alto do Moura, maior centro de artes figurativas das Américas, em Caruaru (PE) para contar a história de Mestre Vitalino e dos artistas que o sucederam. Na apresentação, chapéus de cangaceiro e sombrinhas de frevo prometem se misturar entre as fantasias em verde intenso e brilhoso – marca registrada da Mocidade.

“Não há nada mais sagrado para o nordestino do que o chão que se pisa. Por isso, o enredo foi batizado de ‘Terra De Meu Céu, Estrelas De Meu Chão'”, complementa Ferreira.

Em 2019, apenas a União da Ilha e o Paraíso do Tuiuti tiveram temas que faziam menção à cultura do Nordeste. No ano seguinte, a Unidos do Viradouro contou a história do grupo Ganhadeiras de Itapuã, que surgiu das lavadeiras do litoral baiano. Já na volta dos desfiles de Carnaval pós-pandemia, em 2022, a narrativa negra dominou os enredos, e não houve referências à temática nordestina.

Conhecido por produzir desfiles políticos, Leandro Vieira corrobora com a ideia de que as escolas de samba sejam uma espécie de radar do povo.

“Os desfiles das escolas de samba têm retomado com pautas de viés mais político, que convida para o debate. Eu vejo os artistas que estão à frente dos processos de construção conceitual e estética do Carnaval como esponjas, radares do tempo em que vivem. Por isso, é natural que o Nordeste tenha entrado no radar nesse momento, sobretudo em função das eleições presidenciais e diante de discursos xenofóbicos”, avaliou o carnavalesco.

Em sua primeira vez assinando o desfile da Imperatriz Leopoldinense, Leandro Vieira promete fazer uma viagem ao sertão nordestino, em tom bem-humorado e lírico, que ele adianta que não terá clichês.

“Se tem uma coisa que eu não pretendo reproduzir é essa ideia de estereótipo do Nordeste. A minha preocupação artística foi em não ser a visão do Sul e Sudeste sobre o Nordeste, muitas vezes tratado com hostilidades. A gente vai trazer uma possibilidade de sertão colorido e exuberante.”

Com o enredo “O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida”, a verde e branco de Ramos vai apresentar as visões delirantes dos cordéis nordestinos sobre a história da chegada de Lampião no céu e no inferno.

Na avenida, o ator Matheus Nachtergale vai encarnar o cangaceiro ao lado de Regina Casé, que dará corpo à Maria Bonita. Para fechar a apresentação, a única filha reconhecida oficialmente dos reis do cangaço, Expedita Ferreira, de 90 anos, vai desfilar aos pés de Lampião, coroando a força e a riqueza cultural do povo sertanejo.

A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, também foi convidada para ser madrinha da velha-guarda da escola. No entanto, a presença dela no desfile ainda depende de sua agenda oficial.

Ainda no Grupo Especial, a Estação Primeira de Mangueira volta mais uma vez a terras nordestinas 21 anos após a vitória com o samba “Vou invadir o Nordeste”. O enredo da verde e rosa deste ano levará para a avenida os cortejos afros da Bahia, dos cucumbis dos tempos da escravidão aos afoxés e blocos atuais, até chegar no axé.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes -que dá voz ao samba da escola neste ano- é presença confirmada no desfile da escola.

A Unidos da Tijuca também está entre as escolas que terão o Nordeste como protagonista deste Carnaval na Sapucaí. A amarelo e azul do Morro do Borel vai homenagear a Baía de Todos os Santos, que banha Salvador e cidades do Recôncavo baiano.

A produção do carnavalesco Jack Vasconcelos vai apostar em um visual aquático durante todo o desfile. Com alegorias e fantasias de materiais como a palha de cana brava, da Ilha de Maré, e rendas de bilro dos artesãos do município de Saubara, a escola promete retratar a vida e a cultura dessa região.

Os costumes nordestinos também farão parte do enredo “Nessa festa, eu levo fé” da Vila Isabel. Com a assinatura de Paulo Barros, a escola promete um desfile alegre, passando pela devoção a padroeiros e protetores espirituais regionais.

No Brasil, a Vila vai homenagear as celebrações do Nordeste, como as festas de São João, a lavagem das escadarias do Bonfim, a Festa de Iemanjá, a Cavalhada, o Círio de Nazaré e o Festival de Parintins.

A azul e branco de Nilópolis vai abordar o movimento da Independência do Brasil na Bahia, em 2 de julho de 1823. A Beija-Flor vai apresentar o enredo “Brava gente! O grito dos excluídos no bicentenário da Independência”, dos carnavalescos Alexandre Louzada e André Rodrigues.

A escola contará com a presença da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que desfila pelo segundo ano seguido na Beija-Flor. Além dela, repetem a experiência personalidades negras como Conceição Evaristo, Rosana Paulino, Ana Flávia Magalhães Pinto e Flávia Oliveira.

Na Série Ouro, há mais duas escolas com temáticas nordestinas. A Unidos de Padre Miguel mostrará a influência árabe, moura e muçulmana no Nordeste com o enredo “Baião dos mouros”. E a Estácio de Sá vai retratar um encontro imaginário entre São Luís e São João, que vêm à Terra para abençoar festejos juninos do Maranhão.

FOLHAPRESS

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