Política

Tarcísio acelera venda de terra a fazendeiros ‘antes que lei caia’ e dá desconto de 90%

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O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) acelerou o processo de regularização de terras devolutas, com desconto de até 90% para os ocupantes e com base em lei questionada por PT e MST.

A legislação foi aprovada pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) em 2022 e sancionada na gestão de Rodrigo Garcia (PSDB). Porém, a gestão de Tarcísio, eleito com apoio do agro, passou a colocar em prática os processos.

As terras devolutas são áreas públicas ocupadas irregularmente que nunca tiveram uma destinação definida pelo poder público e em nenhum momento tiveram um dono particular. O governo, então, inicia uma ação de discriminação desses terrenos, dando preferência a quem os ocupa atualmente.

O órgão responsável é o Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo), que já considerou aptos dez processos de regularização com base na lei.

Os imóveis foram avaliados em R$ 64 milhões. O total dos descontos previstos, porém, soma R$ 50 milhões –proprietários teriam que pagar só R$ 14 milhões. Os terrenos somam 3.900 hectares, o equivalente a 25 áreas do parque Ibirapuera.

Há ainda 132 processos que não chegaram nesse estágio.

O PT entrou com ação direta de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) para barrar a lei. Até o momento, há pareceres favoráveis da PGR (Procuradoria-Geral da República) e da AGU (Advocacia-Geral da União).

Um vídeo anexado no processo mostra o diretor-executivo do Itesp, Guilherme Piai, orientando agilização de processos antes que a lei caia. Suplente de deputado federal pelo Republicanos, Piai foi cabo eleitoral de Tarcísio e Bolsonaro no Pontal do Paranapanema, região oeste do estado.

“Agora está acontecendo uma questão política, que também foge da alçada do Itesp, que essa lei tem grandes chances de cair”, disse na gravação, citando que é necessário atuar no processo “enquanto a lei está vigente”.

Procurado, o Itesp afirmou que o diretor sugere no vídeo que, enquanto a lei possibilitar, seja realizada a instrução processual para os acordos e “enfim, a retomada da segurança jurídica, da paz e do desenvolvimento”.

Depois do Itesp, os acordos são enviados à Secretaria de Agricultura para manifestação e a decisão final será da Procuradoria-Geral do Estado. A fundação argumenta que, em vez de perder dinheiro, irá poupar R$ 40 milhões apenas com oito desses imóveis.

“Mais adequado do que se apontar o valor de desconto dado pelo estado a estes particulares, é apontar o valor que o estado deixará de gastar com a continuidade do litígio e a necessidade de pagamento das indenizações por benfeitorias, bem como o quanto arrecadará para investimentos em políticas sociais”, diz o Itesp, em nota.

Segundo o órgão, há casos de propriedades aptas a acordo que ainda não foram declaradas devolutas. Só no Pontal do Paranapanema 84 ações discriminam 1,2 milhão de hectares, das quais 29 foram julgadas improcedentes, afirma a fundação.

“Portanto não há certeza de sucesso no ingresso de ações judiciais discriminatórias e o acordo para regularização evita o risco processual”, diz o Itesp.

O líder do PT na Alesp, Paulo Fiorilo, afirma esperar que o STF tome uma decisão urgente e que o que já foi realizado seja desfeito.

“A lei tem que ser derrubada porque é um escândalo o que a gente está assistindo com a entrega de terras públicas com preços módicos. Terras públicas que poderiam ser usadas para a reforma agrária, para produção do pequeno agricultor, estão sendo entregues a grandes proprietários por preço de banana”, diz.

O MST também faz forte oposição à legislação, apelidada como “lei da grilagem” e vista como um obstáculo a novos assentamentos no estado.

A ação do PT afirma que a lei é inconstitucional. Na peça com pedido de liminar contra a lei, assinada pelo advogado Marcio Calisto Cavalcante e outros, o partido diz que o governo traçou estratégia de instigar as pessoas a acelerar os processos.

A Procuradoria-Geral do Estado de SP sustenta que a regulamentação da lei deixou claro o cumprimento da função social da propriedade rural, ao existir laudo que comprove o “aproveitamento racional e adequado do imóvel”.

O parecer do procurador-geral da República, Augusto Aras, por outro lado, foi positivo ao pedido do PT e diz que a lei e o decreto que a regulamenta “parecem invadir competência da União” e violar preceitos que envolvem a compabililização com a reforma agrária.

A AGU afirma que o modelo na lei deixa de preconizar a necessidade de que esse tipo de procedimento cumpra normas da política de reforma agrária. A ação no STF está a cargo da ministra Cármen Lúcia.

Entre os fazendeiros beneficiados, seis estão em Marabá Paulista, no Pontal do Paranapanema, ponto de tensão entre proprietários de terra e movimentos de trabalhadores rurais.

Uma das propriedades na cidade consideradas aptas à regularização, por exemplo, foi a fazenda São João, em posse da criadora de gado Cláudia Tosta Junqueira. Segundo o Diário Oficial, a terra foi avaliada em R$ 20,1 milhões, com valor de acordo definido em R$ 4,4 milhões.

A fazendeira ostenta nas redes fotos com políticos e militância pela regularização fundiária. Em uma delas, está ao lado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). “Na luta em busca da regularização fundiária e o respeito a propriedade privada”, escreveu.

Cláudia também publicou, em 2022, convite para ato de sanção da lei de regularização das propriedades, na qual declarou “gratidão eterna” a Rodrigo Garcia e ao deputado Vinicius Camarinha (Cidadania), um dos autores da lei, por serem “homens de palavra”.

À Folha Cláudia diz ter adquirido a fazenda há 21 anos de portugueses que estavam no local havia outros 42 anos, mas que, diferentemente do que aconteceu com vizinhos em situação idêntica, a área não foi titulada em seu nome.

A fazenda, diz, é usada para agricultura e criação de gado. Cláudia considera os acordos vantajosos ao poder público e que legislação federal já permitia a titulação.

“É bom para o movimento dos sem-terra, para o PT, que o governo faça esses acordos, porque ele arrecada fundos para dar condições aos assentamentos. E depois eles, se quiserem, [podem] comprar outras fazendas, vão poder legalmente chegar para a pessoa: ‘Olha, temos esse fundo, queremos comprar para fazer o assentamento’.”

Já o deputado Camarinha afirmou não ter tratado da lei com Cláudia e que ela foi assinada por um coletivo de deputados, após diálogo com a oposição, MST, Procuradoria do Estado e agronegócio.

 

*FOLHAPRESS

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