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Calor de 2023 no Brasil supera anos de El Niño muito mais forte

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O Brasil vive um ano de temperaturas recordes e o impacto dessa crise nas cidades, lavouras e na saúde humana é em grande parte atribuído ao El Niño, caracterizado pelo aquecimento do oceano Pacífico equatorial. Análise de dados feita pela Folha indica que o atual evento é forte e que as temperaturas nunca apresentaram tamanha anomalia no Brasil, mas que o mundo viveu cinco El Niños mais severos nos últimos 70 anos.

Nos ciclos de El Niño mais fortes, a temperatura média no país cresceu 0,14°C, considerando o intervalo de junho a setembro, meses de inverno. No mesmo período de 2023, quando a água do Pacífico registrou uma alta de 1,2°C, a temperatura no Brasil subiu 0,8°C, ou seja, 5,7 vezes mais do que a presenciada em anos passados.

A conclusão evidencia o papel do aquecimento global, ligado à queima de combustíveis fósseis e a ações como o desmatamento, sobre as temperaturas. A ação antrópica sobre o clima, segundo especialistas, está alterando o comportamento e os efeitos do El Niño.

A Folha de S.Paulo fez a análise a partir de dados da Noaa (Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos), que mede a temperatura da água do Pacífico, e de registros nas estações meteorológicas do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) de junho a setembro. Para chegar à variação de temperatura, foram comparados meses com e sem o fenômeno (leia mais sobre a metodologia ao fim da reportagem).

A força do El Niño depende da conjunção de diversas anomalias nos padrões de calor, vento e pressão. Um dos principais parâmetros considerados é a temperatura de uma região específica do Pacífico, medida pelo ONI (sigla em inglês para Oceanic Niño Index). Esse índice indica se a água está 0,5°C abaixo ou acima da média -tecnicamente, há El Niño quando a média móvel de três meses fica 0,5°C acima do normal cinco vezes seguidas.

Termômetro marca 40°C em São Paulo no mês de novembro Miguel Schincariol – 13.nov.2023/AFP Termômetro marca 40ºC em Vários meteorologistas já indicaram que o calor deste ano é a soma entre El Niño e aquecimento global. A novidade é o quanto a mudança climática aprofunda o El Niño.

“Vários estudos científicos mostram que as primeiras camadas do oceano estão aquecendo, absorvendo esse calor extra na atmosfera”, afirma Tércio Ambrizzi, doutor em ciências atmosféricas e meteorologia e professor da USP.

Uma análise recente da WWA (World Weather Attribution), grupo de cientistas que estuda eventos climáticos, chegou a conclusões semelhantes sobre o calor extremo que atingiu o Brasil no fim do inverno, elevando a temperatura média em mais de 3°C em algumas cidades.

O estudo aponta que, sem o aquecimento global, o calor recorde vivido no inverno seria de 1,4°C a 4,3°C menor, e que a ação humana aumentou em cem vezes a chance de calor extremo no país.

O El Niño, claro, interfere nos padrões térmicos, mas, sem a mudança climática, o calor de agosto e setembro não seria tão intenso, conforme os pesquisadores.

O inverno deste ano foi o mais quente da história em dez capitais brasileiras, como mostrou outra análise da Folha. Municípios do Sudeste, Centro-Oeste e parte do Nordeste viveram uma onda de calor em novembro, quando termômetros bateram em 40°C e a sensação térmica saltou para a casa dos 50°C em locais como o Rio de Janeiro.

Os efeitos deste El Niño turbinado pelo aquecimento foram enchentes e chuva ininterrupta no Sul, queimadas no Centro-Oeste, calor extremo no Sudeste e seca no Norte e no Nordeste.
O aquecimento terrestre vem alterando o ciclo hidrológico do planeta, então, em períodos de El Niño, lugares secos têm ainda mais seca e lugares chuvosos, ainda mais chuva.

“O sinal antrópico neste cenário é o mais forte de todos”, diz o físico Alexandre Araújo Costa, doutor em ciências atmosféricas pela Universidade Estadual do Colorado (EUA) e professor da Universidade Estadual do Ceará.

“Os últimos três anos foram de La Niña [resfriamento do Pacífico] e começamos 2023 com ela, então o correto seria isso puxar um pouco as temperaturas globais para baixo, mas o evento só mascarou o aquecimento global.”

*FOLHAPRESS

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