Cultura

Jô Soares ganha peça e fotos sobre sua trajetória teatral um ano após sua morte

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Um casal discute em cena. A mulher, acuada, tenta convencer o marido, Jack, de que não é a responsável pelo sumiço de um quadro na parede da sala. Em tom agressivo e debochado, ele a acusa de delirar e mentir. Depois do bate-boca, a peça é encontrada e finalmente revelada para o público, que surpreso vê um retrato de Jô Soares.

“Eu sou exibido mesmo”, disse o apresentador em sua autobiografia, “O Livro de Jô”, na qual também escreveu o motivo de exibicionismo: a sua dependência da plateia, a quem dedicou, em suas palavras, a própria vida.

 

A briga entre o casal faz parte de “Gaslight”, adaptação da peça de Patrick Hamilton escrita por Jô Soares no hospital, pouco antes de sua morte. Um ano depois, a cena é incorporada por Giovani Tozi ao curto espetáculo “O Livro Vivo”, que mistura trechos da autobiografia de Jô aos textos de suas peças.

O quadro com a foto estava fora do roteiro e foi uma homenagem prestada pelos atores ao diretor, que não chegou a ver o espetáculo em ação. Antes da morte do humorista em agosto de 2022, Tozi se dedicou a estudar sua produção na dramaturgia, como escritor e diretor de peças de teatro.

A paixão pela segunda arte despertou cedo, como narra Jô em sua biografia quando, por exemplo, relembra as idas aos teatros em Paris acompanhado da mãe. A lembrança é encenada na peça pelo próprio Tozi, que representa um Jô jovem, e Erica Montanheiro. De repente, os personagens se transformam e o diálogo passa a ser entre Jack e Bella, a respeito do quadro desaparecido.

O ator e dramaturgo Juca de Oliveira, amigo de Jô, interpreta o próprio como narrador do espetáculo. “Trabalhamos em várias peças juntos”, diz, como “Às Favas com os Escrúpulos”, na qual foi dirigido por Jô e contracenou com Bibi Ferreira.

“Também brincávamos muito juntos”, lembra. Uma de suas memórias favoritas foi quando Jô, enquanto dirigia seu carro, voltou-se para Oliveira, que estava no banco do passageiro, e sugeriu que fizessem um exercício de comédia chamado “recados urgentes”.

“Ele abriu a janela e ficou gritando para as pessoas e carros que passavam na contramão, coisas como ‘O Zezinho mandou dizer que não pode ir lá hoje!’, recados urgentes sem parar o carro para explicar”, diz, entre risadas.

Além de Juca de Oliveira e de Giovani Tozi, Erica Montanheiro e Maria Fernanda Cândido também compõem o elenco de “O Livro Vivo”, que terá uma apresentação única apenas para convidados -mas inaugura a abertura da exposição fotográfica de Priscila Prade, que ficará aberta ao público durante o final de semana.

Prade fotografou as montagens teatrais de Jô Soares nos últimos dez anos. As cenas eternizadas em imagens revelam atores como Gloria Menezes, José Wilker, Jandira Martini e Denise Fraga em ação.

Depois de subir pela primeira vez em um palco como ator, em “A Compadecida”, de Ariano Suassuna, Jô escreveu e dirigiu nove espetáculos no total. Entre seus trabalhos encenados estão “Frankenstein’s”, de 2003, “O Eclipse”, de 2006, e “Histeria”, de 2016. Apaixonado por William Shakespeare, o apresentador adaptou e dirigiu “Ricardo 3º”, “Troilo e Créssida” e “Romeu e Julieta”.

“O maior desafio de fazer Shakespeare no Brasil é a tradução. Às vezes simplsmente não se adapta no palco” escreveu, em sua biografia, onde cita a fórmula de sucesso do dramaturgo Millôr Fernandes: “olho no texto e ouvido no palco”. O humorista documenta também, a recepção da crítica teatral de sua adaptação de “Romeu e Julieta”, acusada de excesso de falas na boca dos Capuleto.

“O Jô frequentava saraus na minha casa. Ele sempre levava os sonetos de Shakespeare para ler, era o ponto máximo do sarau”, diz Maria Fernanda Cândido, amiga de longa data do apresentador e responsável por encarnar Créssida em sua adaptação shakespeareana para os palcos brasileiros.

Para a atriz, o trabalho de mesa do humorista, momento em que os atores fazem a leitura do texto em conjunto, como o melhor do qual já participou.

“Ele lia todos os personagens e, como ator fabuloso, dava musicalidade a eles. E o tempo de piada, que é matemático. Tem uma respiração, uma pausa e o tiro, que é a comédia”, afirma Giovani Tozi.

Para Erica Montanheiro, a voz do amigo Jô Soares está sempre presente durante os ensaios, ainda apontando o que deve melhorar.

“Bibi Ferreira falava que sentia com Jô como se estivesse em um trapézio de circo e sabia que ele estaria lá para segurá-la quando ela se jogasse. Acho que todo mundo que foi dirigido por ele se sentia assim. A gente tenta e, se for ruim, damos risada e fazemos outra coisa.”

O LIVRO VIVO

Quando: Visita Exposição aberta ao público 19 e 20 de agosto 2023
Onde: Instituto Artium de Cultura. R. Piauí, 874, São Paulo
Autoria: Giovani Tozi

Elenco: Juca de Oliveira, Maria Fernanda Cândido, Clara Carvalho, Erica Montanheiro e Giovani Tozi

 

*FOLHAPRESS

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